O modelo permite o acompanhamento dos pequenos durante os primeiros anos de vida, sem abrir mão da carreira
Você já ouviu falar em coworking? Trata-se de um espaço coletivo de trabalho, equipado com telefone, internet, onde empresários, statups, profissionais liberais, estudantes podem desenvolver suas atividades por um período contratado.
Agora estenda esse conceito para a família e filhos. No que isso dá? Deu em coworking familiar, um espaço ainda mais diferenciado onde é possível trabalhar, estudar e ter o seu filho por perto. Isso mesmo, no coworking familiar há espaço para os pais trabalharem e para os filhos brincarem em ambientes distintos.
O conceito já é bastante difundido nos Estados Unidos e em países da Europa, mas no Brasil é novidade. A Casa de Viver foi o primeiro criado em São Paulo, em 2015. Está localizado na Vila Mariana e, segundo as fundadoras, atualmente é o único na Capital. Há outros no interior do estado – nas cidades de Campinas e Sorocaba.
O espaço é dividido em ambientes separados para os pais/mães e os pequenos. No primeiro andar, as estações de trabalho são distribuídas para utilização dos pais profissionais. Já o térreo é praticamente todo destinado para os pequenos, que podem ter até 3 anos e 11 meses. As crianças mais velhas, em idade escolar, são atendidas no contraturno da escola.
Os pequenos são atendidos por cuidadores durante todo o período de permanência. Atualmente apenas mulheres ocupam essa função nas Casa; elas fazem as trocas de fraldas, alimentam e desenvolvem atividades lúdicas com as crianças. A música ambiente infantil dá o tom da agitação e alegria.
As mães/pais podem ver os filhos no momento que quiserem. É comum interromperem a atividade para dar uma espiadinha, brincar um pouquinho, almoçar junto ou amamentar e em seguida retomarem o trabalho. Mas isso não é uma regra, cada pai/mãe faz a sua rotina com seu bebê.
Os coworkers também podem sair algumas vezes na semana para fazer trabalhos externos e deixar o filho sob os cuidados da Casa de Viver.
O familiar tem em comum com os demais coworkings a possibilidade de fazer e/ou ampliar o networking para troca de informações ou serviços.
Custo
Para usar os serviços por meio período, duas vezes por semana, o custo é de R$ 576. O plano inclui espaço de brincar para as crianças com supervisão de cuidadoras, espaço profissional com acolhimento de home Office, quatro encontros mensais de networkings com os coworks do espaço.
O plano de utilização por meio período, três vezes por semana, é de R$ 864. Cinco vezes por semana, também meio período, custa R$ R$ 1.190. E cinco vezes por semana, período integral, R$ 1.590.
Como nasceu a Casa de Viver
O espaço foi criado em 2015 pela tradutora Carina Lucindo Borrego, 37, e a psicóloga Fernanda Santiago Torres, 38, ambas mães que, assim como todas que têm atividades profissionais fora de casa, sentiram na pele a necessidade de sair para trabalhar e se separar do filho já na primeiríssima infância, fase em que as crianças são ainda muito dependentes e estão em pleno desenvolvimento.
Elas se encontraram em 2014, num Café com Mães Empreendedoras, um evento criado por Carina em que as mães empreendedoras podiam levar os filhos, já que os outros modelos de reunião e encontro de empreendedoras não permitiam. Carina já estava compartilhando a ideia, inclusive nas redes sociais, para experimentá-la, e a proposta do Café era afinar ainda mais a pesquisa para saber detalhes de público, real necessidade e aceitação do modelo de negócio.
A partir desse encontro, Carina e Fernanda passaram a fazer reuniões com mães interessadas, na Vila Mariana, região da capital paulista e em 2015, a Casa de Viver foi efetivamente criada.
Mães têm maior produtividade com os filhos por perto
“Não sei como eu me viraria sem (o coworking familiar)” – Andréa Zeppini
Andréa Zeppini, atriz e pesquisadora tem uma filha de 2 anos e 5 meses, a Lara. Ela está agora finalizando sua tese de doutorado.
É coworker Casa de Viver desde 2015, quando Lara tinha ainda de 1 ano. Usa o espaço todos os dias e não abre mão dos serviços. “Acho que eu tive muita sorte de encontrar esse lugar”, diz.
A atriz conta que queria muito poder trabalhar e ficar perto da filha. “Quando a Lara nasceu eu fiquei um tempo sem trabalhar, depois eu passei um período tentando trabalhar em casa porque eu achava a Lara pequenininha, mesmo para vir pra cá (Casa de Viver), aí eu revezava (os cuidados com a Lara) com a outra mãe dela – uma cuidava enquanto a outra trabalhava. Agora nós duas podemos trabalhar ao mesmo tempo”.
Andréa tem total confiança em sair e deixar a filha na Casa. Ela diz que sai tranquila quando tem atividade fora, como ensaios, apresentações ou outros eventos.
Questionada sobre a possibilidade de contratar uma babá e trabalhar em sua casa, Andréa afirma que não cogita essa hipótese. Para ela, a socialização que a Casa de Viver proporciona é “muito” saudável para as crianças. “Aqui é muito saudável para a Lara; ela tem espaço, o espaço é muito gostoso, ela tem contato com as outras crianças… eu acho em casa muito confinado, e a Lara é super agitada, ela precisa de espaço para brincar, para correr…”, diz.
Outra questão que Andréa levanta é a dificuldade de concentração para o trabalho quando a filha está em casa, mesmo sendo cuidada por outra pessoa. “Sem ninguém para cuidar dela, trabalhar ou fazer qualquer outra coisa é impossível (risos). Quando tem alguém cuidando já é melhor, eu consigo fazer alguma coisa, mas não é a mesma concentração que eu tenho aqui. Com ela brincando lá embaixo (no salão das crianças), eu fico tranquila, consigo pensar em outras coisas”, conta.
A experiência de usar os serviços de um berçário também não passa pela cabeça da atriz. “Para mim é muito importante ficar perto dela. Eu queria muito passar esses primeiros aninhos da Lara junto com ela, podendo amamentar, podendo ir lá embaixo para ver como ela está. Se ela me chamar eu posso descer”, explica. “Eu queria muito passar com ela. Não queria deixar a Lara… sei lá… seis ou oito horas numa escolinha e eu ficar noutro lugar.
Eu queria ficar com ela”, enfatiza. “Por isso eu vim pra cá.”
“Todo esforço vale a pena porque eu sei que ele está ali e a qualquer momento eu posso vê-lo”, Jaqueline Souza
A mato-grossense Jaqueline Farias de Souza, publicitária e representante comercial, é mãe do Arthur. Logo depois do divórcio, veio para São Paulo e precisa trabalhar. Contratar uma cuidadora ou babá para o filho está fora de questão; ela mora com a mãe, que não quer ninguém que não seja da família dentro de sua casa.
Jaqueline não conhecia a Casa de Viver ou qualquer outro coworking familiar e colocou Arthur numa escolinha, mas sua experiência não foi boa. Ela conta que usando transporte público ficou muito difícil fazer o trabalho externo sem sacrificar o filho e o tempo que tinha com ele. “Chegou um dado momento da minha vida que ou eu deixava ele 10 horas na escola ou não conseguiria trabalhar, porque eu precisava visitar (clientes) usando transporte público, por conta disso o acesso às escolas ficou complicado e me bateu um desespero”, diz.
Outro agravante na experiência de Jaqueline foi o recesso escolar. “A escola era particular, mas ficou um mês de recesso, fechada mesmo, e eu não podia ficar um mês sem trabalhar”, explica. “Esse foi outro motivo (para buscar outra alternativa). O que eu faço com ele quando a escola parar? Toda vez que isso acontecer eu vou enlouquecer.”
Foi nesse “momento de desespero” que Jaqueline lembrou de já ter lido uma reportagem sobre coworking materno, buscou no Google as palavras chave “trabalho e creche” e descobriu a Casa de Viver. “Conheci a casa e me apaixonei”.
Jaqueline mora no ABC paulista e ainda usa transporte publico para se locomover. “A gente enfrenta uma certa dificuldade de locomoção porque eu moro no Grande ABC, então, pra vir não é muito fácil porque eu venho de ônibus… ainda uso transporte público, mas compensa”, pondera. “Já cheguei a pensar que essa logística é muito complicada pra mim porque ele (Arthur) está crescendo, (carregá-lo) dá dor no braço, cansa um pouquinho, mas todo esforço vale a pena porque eu sei que ele está ali e a qualquer momento eu desço, almoço com ele”, avalia.
Jaqueline também pondera sobre o “privilégio” de poder acompanhar o desenvolvimento do filho. “Eu consigo acompanhar ele: ahh, viu uma borboletinha, sorriu com uma flor, deu o primeiro passinho, eu estou ali acompanhando; e não foi a tia da escola que ouviu o primeiro mamãe, fui eu que escutei (risos). São coisas que, apesar do esforço que a gente faz, são compensadoras.”
Para Andréa e Jaqueline, o investimento financeiro é compensador. “É quase o preço de uma escolinha. Claro, têm escolinhas e escolinhas, umas mais caras, outras mais baratas, mas compensa, sim! Compensa tudo, eu estou trabalhando e estou perto da minha filha, isso é muito compensador”, diz Andréa.
Elas enfatizam a questão da socialização. As crianças ficam no espaço das crianças brincando com os amiguinhos, quando sentem saudades da mamãe dão uma choradinha e a mamãe desce, logo elas se distraem com novas brincadeiras e a mamãe sobe e dá sequência ao trabalho.
Outra questão que as duas mães levantam é o fato de os filhos falarem dos amiguinhos ao chegarem em casa e elas saberem quem são as crianças a que eles se referem e quem são as mães ou pais dos amiguinhos. “A gente troca informações também (entre mães sobre as crianças)”, diz Jaqueline.
O que diz a psicologia?
A Psicologa Gisela Vasconcelos Monteiro confirma que a quantidade e qualidade das relações das crianças ainda em desenvolvimento contribui para formação de indivíduos saudáveis. “A grosso modo, o que nos torna humanos é a relação com outros seres humanos. A identidade é a estrutura de personalidade de um indivíduo. Quanto maior a quantidade e melhor a qualidade das relações vividas pelas pessoas em desenvolvimento, mais chance há de que cresça saudável, tanto do ponto de vista físico quanto psicossocial. Portanto, a presença dos pais é de enorme importância pela possibilidade de conhecer o ambiente e as pessoas com as quais a criança convive”.
Já para as as mães, ter os filhos por perto é melhor alternativa, apesar de exigir bastante dela. “Para a mãe, ter o filho perto traz uma grande tranquilidade, mas poder ouvi-lo o tempo todo vai exigir uma enorme capacidade de concentração. Muitas mulheres aprendem a desligar do entorno para trabalhar em casa, caso não tenha outra opção… então, se a mãe puder ficar perto da criança sem ouvi-la, tanto melhor. Há ainda um grande esforço da mulher para conseguir manter todos os pratos girando ao mesmo tempo, como o malabarista de circo: filho, casa, marido, trabalho, diversão, prazer…. Os homens têm dividido cada vez mais responsabilidades com a mulher, mas, em geral, ainda temos muitos pratos no ar”, analisa a psicóloga.
Gisela é mestre e doutora em psicologia social pela USP. Ela tem um canal no Youtube Falatório com Gisela e o blog Falatório. Nas duas mídias ela trata de vários assuntos relacionados à mulher.
Porque nasceu a Casa de Viver
“Eu buscava um trabalho que tivesse mais significado”, Carina Borrego
Foram várias as motivações de Carina para criar a Casa de Viver. Ela conta que buscava “um trabalho que tivesse mais significado” e a necessidade de ficar mais tempo com a filha. “Eu queria um trabalho que tivesse um impacto positivo para o mundo porque o que eu fazia era bem o oposto disso. Eu era tradutora em um escritório grande de advogados, então… era tudo contra os meus princípios”, relata Carina. “E com o tempo eu também senti que tinha menos tempo de acompanhar o crescimento da minha filha”, conta.
Carina trabalhava até as 14h, mas a filha ficava na escola em período integral. O horário de saída do trabalho de Carina coincidia com o horário de inicio da aula da filha, o que as impedia de ficarem juntas à tarde. “Ela já tinha 5 anos. Os horários da escola já eram mais rígidos e eu não podia tirá-la da aula”, relata. “Me dei conta de que eu estava vendendo o meu tempo por uma coisa que eu nem acredito e perdendo o tempo de acompanhar o crescimento dela.”
Na ocasião, já se falava muito em economia colaborativa, espaço de trabalho colaborativo, compartilhamento de ideias, serviços e espaços. Empresários e profissionais liberais já buscavam alternativas mais baratas para desenvolverem suas atividades e o espaço democrático que evitava o isolamento do home Office sem a distração provocada nos espaços públicos, como cafés, se apresentava como a melhor saída.
“Aí eu pensei que seria muito legal se existisse um espaço assim em que você pode levar o seu filho. Você faz tudo isso e ainda consegue ficar junto com o filho, em que você não tem que separar as coisas em vários lugares diferentes”, diz Carina, entusiasmada. “E a Casa de Viver nasceu com esse conceito: um lugar onde você pode integrar a vida. Um lugar que você vai para trabalhar, mas um lugar que reúne tudo – o espaço de brincar, um escritório, uma mesa em um espaço onde se come, uma rede para descansar”, complementa.
A Casa de Viver tem capacidade para 30 profissionais. Oferece a infraestrutura de escritório, o espaço amplo para as crianças com atividades voltadas para cada faixa etária, promove encontros entre os coworkers, loca os espaços para festas e outros eventos.
Fernanda tinha uma carreira construída tijolo a tijolo, mas já não se reconhecia mais no emprego
Em 2010, Fernanda teve a primeira filha, a Lívia. Ela era gerente RH, de Gestão Estratégica de uma grande empresa. Era uma carreira construída tijolo a tijolo e ela gostava muito do que fazia. Mas, ao retornar da licença maternidade, já não se reconhecia mais no emprego, que lhe tirava de casa por cerca de 14 horas diariamente, sacrificando o tempo com a filha. “Meu marido me mandava fotos e mensagens de tudo de novo que a Lívia fazia e eu chorava, porque não estava acompanhando”, conta Fernanda. Além disso, os problemas internos na empresa a desestimularam a continuar. “E eu pedi demissão”.
Fernanda foi viajar e tinha certeza que conseguiria nova colocação ao voltar, mas torcia para não ser contratada a cada entrevista que fazia. A saída foi fomentar a agência de eventos que tinha, atividade que exercia como hobby com a irmã.
Organizou sua vida em torno desse novo trabalho – trabalhava e ficava com a filha e a família. Quando Lívia tinha 3 anos, Fernanda ficou grávida novamente.
Foi aí que conheceu Carina e a ideia da Casa de Viver, proposta que abraçou não apenas como serviço a ser usado, mas também a ser oferecido às mães que passavam pelos mesmos problemas que lhe tiravam a tranqüilidade e a alegria.
Conheça mais sobre a Casa de Viver.
Veja a nossa galeria feita pela fotógrafa de família e infantil Amanda Pinson, na Casa de Viver.